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-⌂ Albergue Sépia ⌂-
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A inexistência de Heitor Costa em poemas.

Intermissão

O chão, todo oleoso,
Sugere ao próximo
Que está indisposto:
Não quer negócio.

Sem pés, sem musgo:
Só um calçamento
Em paz com tudo;
Sem qualquer lamento.

“Ainda é cedo, não?
Ninguém passaria.
Passariam em vão?
Não aconteceria.
(Será?)

Melhor calçada não há!
Porém, preciso descansar…
Com que força irei trabalhar?
Todo o mundo precisa descansar…

Quisera eu descansar.
Sempre alguém ousa passar
Sem com a hora se importar.
Ainda é melhor que a outra,
A outra ponta, lá longe.
A besta, toda tonta,
Fora atropelada,
Por um velho bonde.
Descendo o morro a toda
Subiu a calçada,
Destroçando a coitada.

Melhor nem pensar nisso.

(Do outro lado da rua, porém)
Olha lá ela, do outro lado.
Cada vez mais bela,
Suportando os sapatos.
Eu vou lá falar com ela.

Não!
Romperam-me, em vão.
Algum calhorda
Virou o poste
Em minha borda.
Estou sem sorte.

Era impossível, mesmo.
Agora, com ela me olhando,
Desfaço-me, imperfeito.
Imperfeita, aliás.
Sou uma calçada.
Era uma calçada,
Segundos atrás…
Estes humanos, santos,
Passaram-me seus feitos
Ao passear por meu cimento.

Agora sou ‘um cara’, sem julgar,
Pois minha personalidade
Não combinava com o de…
A quem quero enganar?
Não há mais eu nessa cidade.
Nem sirvo para escoro de…

Melhor, nem isso…

(O motorista devia estar bêbado,
[também)
Não posso mais dizer.
Muito menos pensar.
Apenas deixei de ser
A melhor para se tomar.

Agora serei ‘o resto’,
Até o vento me carregar.
Deixo este manifesto
À outras calçadas
Que venham a se interessar.”